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Hoje estava bem pior do que isto!... |
- Vamos voar, mamã?, perguntava o meu pequeno, apanhado por
uma rajada de vento que nos deixava quase sem fôlego e nos queria arrastar dali!
Hoje estava um desses dias e parecia mesmo que íamos levantar voo como as
gaivotas que fugiam do mar para se reagruparem num jardim ali bem perto.
O que não sabíamos é que elas se estavam a organizar contra a
crise delas. Sim, também sofrem nas penas e nas asas os efeitos das medidas de austeridade, da Troika…
E não estavam nada contentes.... Eram tantas, tantas, que, de um momento para o
outro, já se estavam a manifestar contra o vento, contra o temporal. Não sabíamos
bem quem as liderava. Apenas que se tinham organizado num instante. E o vento, lá de
cima, que as governa, queria saber quem as liderava, quem as mandou estar ali a
refilar. E ficou tão louco, louco, que assobiava furioso e levava tudo pela frente. E
lá levámos nós outra vez com uma corrente fria no rosto, que quase não
conseguíamos respirar. Fomos empurrados para a frente e parecia que levantávamos
voo novamente!...
No meio do temporal, reparámos que as gaivotas não traziam
cartazes, nem faixas negras de revolta e de luto. Mas estavam chateadas, ai se estavam.
E gritavam, gritavam à maneira delas, porque tiveram que fugir do mar que hoje estava
tão furioso!
É bem verdade! O mar hoje estava para isso. Acordou assim: as
ondas batiam umas nas outras com tanta robustez e velocidade que via-se logo que
não estavam para brincadeiras. E olhem que altas que elas estavam que até olhavam para
as gaivotas, as rochas e areia com desdém?... E engoliam tudo o que lhes aparecia pela frente enquanto entoavam um cântico,
acompanhado do assobio enraivecido do vento, que até poderia ser a música de
fundo do genérico de um filme de terror a antever um naufrágio de uma
embarcação qualquer. Não havia como fugir a ele. Estava por todo o lado!
E já junto ao mar percebemos que, afinal, nem todas as
gaivotas tinham desertado. Algumas ainda resistiam a saltitar na areia que o vento
atirava para o ar e desafiavam-no a ele e à ira do mar. São como a gente rija do
nosso tempo que continua a lutar, que continua a arregaçar as mangas em vez de
se deixar ir com o temporal no colo do vento e balançar sem rumo ao ritmo das
ondas do mar!
Hoje o temporal ganhou. Ainda assim, o vento, que as
governa, ficou um pouco preocupado, porque nunca as tinha visto assim. Vai ficar
mais manso durante uns dias até voltar a atacá-las com mais medidas de austeridade.
Esta é a crise delas. Mas até bem que poderia ser a nossa. Não é verdade?